sexta-feira, 29 de maio de 2009

O número de músicos profissionais explode no Brasil. A dependência do Estado, também.

No país em que caixinha de fósforo virou instrumento de percussão, é de se  esperar que os músicos sempre tenham sido muitos. E bons.

Mas um fenômeno tem chamado a atenção. Se, em 1992, havia 50 mil músicos  profissionais no Brasil, em 2006 esse número saltou para 118 mil.

Outros dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) atestam o  avanço dessa profissão que, a despeito do grande número de adeptos, é exercida  em condições precárias e depende muito do apoio estatal.

Para se ter uma ideia:

- Entre 1992 e 2001, o número de pessoas ocupadas cresceu 16% no Brasil. No  setor de artes espetáculos, o salto foi de 67%. Metade desse universo é  representado por músicos.

- No ano 2000, houve 894 matrículas em cursos superiores de música. Em 2005,  foram 5,2 mil matrículas.

- Apenas 10% dos músicos têm emprego formal. Quase todos os que têm vínculo  empregatício trabalham em orquestras ou são professores.

- A Cooperativa de Música registrava, em 2003, 26 cooperados. Hoje, são mais  de mil.

- Enquanto apenas 8% da população brasileira tem curso superior completo,  entre os músico esse índice salta para 63%.

- 82% dos músicos são do sexo masculino. No caso das mulheres, o instrumento  é, quase sempre, a voz.

Esses dados foram apresentados ontem à tarde pela socióloga Liliana Segnini,  professora da Unicamp, no V Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura  (Enecult), que acontece até amanhã em Salvador.

Para realizar o trabalho, ela debruçou-se sobre os participantes do programa  Rumos, do Itaú Cultural, um dos mais importantes do País – ao  lado do Prêmio Visa e do Projeto Pixinguinha.

Foram ouvidos 39 artistas selecionados num universo de 2,2 mil inscritos.

A ideia era descobrir em que momento a música deixa de ser hobby para virar  profissão e de que maneira a sociedade brasileira encara esse ofício.

Liliana tentou recuperar o pensamento do sociólogo alemão Norbert Elias que,  ao falar de Mozart, procurou entender quais eram as pressões sociais para que um  músico trabalhasse na corte.

Uma frase escrita por Elias mantém-se intacta:

- Um músico quer ser socialmente reconhecido como artista e ser, ao mesmo  tempo, capaz de alimentar sua família.

Liliana, nas entrevistas, percebeu que a instabilidade faz parte da  rotina:

- Predominam as formas instáveis e intermitentes. Muitos, mesmo sendo músicos  profissionais, exercem outras atividades, como contador, diagramador de jornal,  artista visual etc. Havia até mesmo um trabalhador agrícola, que faz música de  raiz.

Muitos citam a necessidade constante de “fazer um cachê”, que significa  trabalhar na noite.

Trata-se de uma atividade instável, mal remunerada e, em certa medida,  frustrante, já que, num bar, o público está mais interessado em beber e  conversar do que em ouvi-los.

Também foram recorrentes, nas entrevistas, referências a sofrimento psíquico  e casos de depressão.

A pesquisadora descobriu, por exemplo, a síndrome do músico estressado.  Nesses casos, o cérebro, simplesmente, deixa de mandar estímulos para os dedos e  a execução da partitura torna-se impossível.

Más condições de trabalho à parte, a pesquisa com os selecionados do Rumos  revelou que, para todos eles, a internet é um veículo transformador, uma foram  de libertação da libertação da engrenagem industrial.

Liliana espantou-se, por exemplo, com o grupo Móveis Coloniais de Acaju, de Brasília, um fenômeno nascido da internet:

- No dia do show, havia uma fila de dois quarteirões no Itaú Cultural, na  avenida Paulista. O público sabia deles. Nós, pesquisadores, é que éramos os alienados.

Apesar dos casos de sucesso, a socióloga é menos empolgada com a nova  realidade do que os músicos com quem conversou:

- Se eu me ativer à fala deles, direi que as gravadoras estão acabando e que  todos poderão criar, produzir e distribuir por meio da internet. Mas, em tantos  anos de pesquisa social, não canso de me espantar com o poder de reconfiguração  do capital.

Curiosamente, na mesma medida em que miram o mercado, muitos músicos são  absolutamente dependentes dos editais públicos e dos recursos vindos das leis de  incentivo fiscal.

Para Liliana, a exemplo do que aconteceu na década de 1930, o Estado  brasileiro passou a fomentar a formação e a produção musical:

- Levanto a hipótese de que o Estado tem um papel fundamental nesse novo  cenário da música. Seja pelas leis de incentivo, seja pela criação de escolas e  universidade de músicas, voltamos a ver um Estado presente.

E, sem dúvida, há que se considerar também o que o norte-americano Chris  Anderson, editor da revista Wired, chamou de fenômeno da “cauda longa”.  

Na era da internet, a oferta aumentou de tal modo que, cada vez mais, a  cultura se desenha em forma de nichos.

No lugar dos grandes hits embalados pela indústria, surgiram, nestes anos  2000, os “micro-hits”, os pequenos fenômenos que conseguiram encontrar o seu  público.

Não será essa nova realidade um outro estímulo à (tentativa de)  profissionalização?

Matéria publicada no site Terra  no dia 29 de maio.

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